Por Marco Túlio Costa, Escritor
O prefácio não é prefácil, pelo menos para mim. Parece um lance de humor o fato do Váscoli, que com um traço premeditado economiza mil palavras que poderiam ser ditas sobre um fato, pedir logo a mim, um escritor, que muitas vezes esbanja lá umas mil palavras para falar sobre um traço.
Interessante o fato de, no título, fazerem menção à História, pois à maioria das pessoas escapa o sentido duradouro, transcendente, histórico da charge, que é devorada no fast-food da informação cotidiana.
Vejam os jornais diários. As edições se sucedem mergulhando a todos num caldeirão de informações, fatos mal cozidos e escândalos bem temperados. Empanturradas de notícias, é nos bancos das praças, nas esquinas, nos balcões de botequins, aqui e ali, que as pessoas vão digerir isso tudo e tentar compreender seus próprios sentimentos sobre a sociedade, o mundo veloz e voraz.
Mas onde vamos captar, na imprensa, o sentimento geral a respeito do momento histórico, dos fatos marcantes estampados em manchetes e estendidos nas matérias? Abrimos os livros de História e, volta e meia, estão lá reproduzidas as charges que retrataram o sentimento, a reação de setores da sociedade a respeito de determinados eventos. A sátira, o humor, o deboche, presentes na charge, cumprem sua função de catarse, e ganham com o passar do tempo uma outra função, didática, esclarecedora, a respeito da relação de um povo com os fatos históricos.
Sob essa ótica (Ótica Oliveira, diria logo o Magela) a charge é a notícia em marcha-à-ré, da conseqüência ao fato. Primeiro eu berro, depois bato o martelo. Nasce na reação e leva a pensar sobre o fato. Nasce do público para o jornal e não vem do jornal para nós, como parece. Charge é notícia sobre o que sentimos, não é descoberta do mundo, mas encontro com o eu.
Sendo assim, a presença da charge do Váscoli, na Folha da Manhã, é nosso pequeno divã, revelador, espaço em que sacamos o quanto debochados nos portamos em relação a um fato, ou como fomos ácidos a respeito de outro. Por isso fez tanta falta quando se ausentou de nosso diário e foi tão festejado ao retornar.
Fazendo esse papel de mar que corre para o rio, que sobe cachoeira e vem para a fonte - que somos nós, os leitores - o Váscoli vem captando nossos sentimentos, transformando-os em traços e tiradas geniais, para se tornar um testemunho fundamental de nossa história: a história recente de nossa Passos, da região que gira em sua órbita, de Minas, do Brasil.
Por isso o título deste volume, tão aguardado por nós que sabíamos do projeto havia tantos anos, é também exato. Os traços que dão contorno à nossa comédia diária são parte de uma tirinha de jornal inacabada e inacabável, em que somos personagens e leitores, e a qual nos faz olhar para o passado com mais sensibilidade e tolerância. Compreendemos a força de nossos sentimentos, o ridículo de nossas convenções e rimos com indulgência de nossa natureza humana.
Para quem sabe ver a História, o traço marcante do Váscoli está cheio desse subtexto: mais que recordação de fatos históricos, já registrados nas matérias e colunas opinativas, é um acervo delicioso de nossa memória sentimental.