quinta-feira, 28 de dezembro de 2006

Rebelde


_O que é que eu faço com este menino doutor?
O psicólogo, detrás de sua mesa de madeira escura, com o queixo apoiado nos dedos entrelaçados, olhava calmamente para a mãe desesperada e para o filho impassível sentados à sua frente.
_E então doutor, o que eu faço? Isso não pode continuar assim! A mãe levava as duas mãos ao rosto cobrindo os olhos e meneava a cabeça, demonstrando sua profunda insatisfação com a conduta de seu filho.
_Calma minha senhora, não é tão grave assim!
_Como não é grave, doutor! Ele tem 13 anos e faz uma semana que nem liga o computador
_Uma semana inteira? O que há com você, rapaz?
E a mãe, entre soluços
_Nem orkut ele tem!
A expressão do médico mudou sutilmente. Ele continuava tranqüilo atrás de sua mesa, mas agora era uma tranqüilidade profissional. Ele sabia que havia algo errado ali, um perigo em potencial: A quebra de um paradigma. E a quebra de um paradigma é como a quebra de um átomo, por menor que seja, libera uma energia praticamente incontrolável.
O doutor levantou-se e convidou o jovem a deitar-se no divã e pediu delicadamente que a mãe os deixasse a sós.
A mãe retirou-se, contra a vontade, mas antes de sair disse ainda:
_Eu sabia que era grave, nem o nome dos Power Rangers ele sabe! Pode perguntar! Pergunte qual é o nome do Ranger vermelho, pergunte para o senhor ver!
Fechando a porta do consultório e construindo um sorriso com qual pretendia encarar o rapaz, o psicólogo dirigiu-se à cadeira que ficava ao lado do divã onde o paciente o aguardava. Sentou-se, apanhou uma caderneta e uma caneta e disparou:
_Diga-me, rapaz, você sabe o nome dos Power Rangers?
_Não! Disse simplesmente o garoto.
_Como se chama o melhor amigo do Bob Esponja?
_Sei lá! Quem é Bob Esponja?
A mãe tinha razão, pensou o médico, enquanto tomava notas, parece mesmo ser um caso grave.
_Qual é o seu E.mail?
_Eu não tenho E.mail, prefiro escrever cartas.
_MSN?
_Também não! Prefiro conversar com as pessoas frente a frente, para perceber suas emoções e reações.
_Qual é o seu programa de TV preferido
_Não assisto muito a TV, prefiro a leitura, mas o Discovery channel e o National Geografic são legais!
_Qual é a dupla sertaneja de sua preferência?
_Prefiro jazz
_Nike, And 1, Zoomp ou Fórum? Com qual destas marcas você se identifica mais?
_Para mim o valor simbólico associado a estas marcas não justifica o alto preço dos seus produtos! E a perspectiva desta análise não é a parcimônia, mas sim a sensatez.
Esse menino vai me dar trabalho, ponderou o médico. Vai ser difícil sociabilizá-lo, resgatá-lo de sua individualidade e trazê-lo de volta aos padrões normais de convívio de nossa sociedade hipócrita e consumista.
Voltaram para a mesa e com um toque no interfone, o médico ordenou que a mãe entrasse e indicou-lhe a cadeira ao lado de seu filho, onde antes já estivera sentada.
_E então doutor, é grave? O senhor perguntou para ele o nome dos Power Rangers?
_Calma, disse o médico, trata-se apenas de um caso de rebeldia adolescente, e ele logo estará curado se seguir à risca o tratamento que vou prescrever.
Anotou com garranchos no bloco de receitas os procedimentos que deveriam ser observados de agora em diante:
Três horas de TV por dia (no mínimo), Lan house três vezes por semana jogando Mortal Kombat deception, Counter Strike – condition zero ou GTA e ouvir Calypso e Latino todo santo dia, sem esquecer da internet de madrugada.
A mãe se esforça, vigiando e exigindo o cumprimento de todos os itens do tratamento sugerido pelo médico. Outro dia até comprou um CD de funk para o filho na esperança de abreviar o tratamento.
O menino, metódico por natureza, cumpre os horários e segue as indicações do médico, mas continua lendo Dostoievski escondido. E no original.
É um caso perdido!














 

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