A cidade de São Paulo começa o ano de 2007, colocando em prática um ambicioso projeto de lei, denominado Cidade Limpa, que obriga a retirada de outdoors, placas e outros aparatos de publicidade que infestam toda a cidade. O projeto, rigoroso e radical, foi aprovado por unanimidade na Câmara e obteve amplo apoio da população; evidentemente, sofre agora o ataque do poderoso grupo de empresas que explora a publicidade externa na cidade de São Paulo e que, através de recursos jurídicos, busca inviabilizar sua aplicação. Mas para a que a situação chegasse a este ponto, é preciso reconhecer que o limite de tolerância quanto à utilização do espaço visual público foi desafiado ao extremo e a situação caótica resultante começa a ser percebida por uma camada mais ampla da população, que antes apenas absorvia passivamente a publicidade.
No mesmo caminho de degradação visual, a cidade de Passos vive, há alguns anos o crescimento desenfreado da publicidade externa. Pouco a pouco, cada centímetro disponível na cidade vem sendo ocupado com placas de outdoors, painéis de prismas giratórios, painéis digitais, imensos painéis de fachada, além do sem-número de placas de quinta categoria esparramadas por todo o perímetro urbano.
Dezenas de placas de outdoor poluem as nossas ruas com suas estruturas caquéticas, mal-acabadas, imundas e sobre as quais raramente se colam peças com alguma qualidade de impressão; e isso para não enveredar pela seara do conteúdo. Os triedros, painéis formados por prismas giratórios, se multiplicam; onde houver uma empena de um edifício, onde houver uma marquise, pronto, está instalado um outdoor que vale por três. Logo serão substituídos pelos painéis digitais, que exibem imagens em movimento, quase uma televisão. Sem som, por enquanto, que é para não atrapalhar os carros, caminhões e motos volantes.. Esse aparato high-tech, à medida que se torna obsoleto e sem apelo nos grandes centros, é revendido a preços convidativos para mercados emergentes. Imagine agora, que serão proibidas em São Paulo e em outras cidades que estão se despertando para o bom senso urbano. Preparem-se uma derrama de parafernálias de comunicação nas suas cabeças.
A primeira vista, pode parecer uma “mudernidade” um painel fotográfico front-light, ocupando toda a lateral de um edifício no centro da cidade, conferindo um ar de capital, de Times Square, coisa de outro mundo. Como artista gráfico, admito que as peça seja chamativa e tenha impacto visual, mas como arquiteto, vejo uma agressão a um edifício que, ao contrário, merecia ter suas características modernistas valorizadas, recuperadas. Imaginem se cada condomínio da cidade se encantar com as merrecas recebidas pela cessão de suas empenas cegas ou de seus topos...Banco do Brasil, Credireal, Galé, Angelina e José, José e Lucila...Se os “predinhos” de 3 andares aderirem, então, vai ser uma verdadeira revista em 3D.
Seria muito útil que os vereadores – pelo menos aqueles que ainda se preocupam um pouco com o futuro da nossa cidade – dessem uma lida nos propósitos e medidas propostas pelo Projeto Cidade Limpa e refletissem um pouco sobre este tema. Vão ouvir a lamúria daqueles que sobrevivem deste mau uso do espaço urbano, dizendo que empresas vão fechar, que empregos serão extintos, que famílias vão passar fome, enfim, argumentos semelhantes aos daqueles que defendem os bingos, o jogo de bicho ou o comércio clandestino. Outros, mais prolixos, vão dizer que a publicidade faz parte da linguagem urbana do século XXI e que seria um retrocesso a proibição. Mas não haverá quem, ainda que no íntimo, não reconheça a necessidade de um controle mais efetivo sobre o caos visual que se vem se instalando e que ainda pode piorar muito.
Não defendo a proscrição da publicidade externa, a purificação total da cidade, que ficaria monótona e chata, mas entendo como necessária uma intervenção radical, como a da Lei Cidade Limpa, até que se encontre uma forma isenta de análise de cada situação, independente de influências políticas ou econômicas.
As cidades precisam voltar a se enxergar, a conhecer a imagem que realmente têm, as características cobertas pelas placas e sobretudo os defeitos que estas placas eventualmente ocultem. Talvez assim, consigamos enxergar o estado decrépito em que se encontram muitas regiões de nossa cidade, o abandono de algumas praças e construções e cobremos ação das autoridades competentes. E então, quem sabe um dia, as pessoas voltem a se preocupar com o visual das construções que erguem, para que valorizem o ambiente urbano ao contrário do que fazem os inúmeros puxadinhos e meias-águas que se vê por Passos. Não vai ser apenas investindo em obras vistosas que a Prefeitura vai mudar a cara da nossa cidade; é preciso investir em conservação, em fiscalização, em regulamentação. Tudo isto ajuda a formar aquilo que realmente faz a diferença: a consciência da responsabilidade de cada cidadão.
Ivan Vasconcellos - Arquiteto